segunda-feira, 11 de julho de 2011

A verdadeira magia de Harry Potter: os fãs


Sob o nome “Harry Potter”, encontram-se registradas nas enciclopédias virtuais pelo menos quatro páginas distintas. A primeira, sobre a série de livros escritos pela escocesa J.K. Rowling e publicados pela editora Bloomsbury entre 1997 e 2007. A segunda, sobre o personagem título da obra, um aprendiz de feiticeiro que, nas palavras de Rowling, tornou-se uma das figuras mais emblemáticas da literatura de fantasia no virar do milênio. A terceira, sobre os filmes da Warner Bros. de altíssima rentabilidade que a saga inspirou. E a quarta, sobre a marca que Harry Potter se tornou, patenteada de maneira a render bilhões de libras esterlinas a Rowling, à Bloomsbury, à Warner e a todos os demais que conquistaram direito a uma fatia do bolo.

As questões mercantis relacionadas à franquia, aliás, são os pontos mais convergentes de “Harry Potter” com a legião de fãs que o transformou em sucesso. Nem sempre se pode atribuir um sucesso estrondoso aos fãs que prestigiaram o objeto, mas, nesse caso, a afirmação é apropriada.
O sucesso inicial no Reino Unido, que alavancou as vendagens de “Harry Potter” nos EUA e, posteriormente, no restante do planeta, deve-se, e muito, às crianças, que o descobriram durante as férias de inverno (“Harry Potter e a Pedra Filosofal” foi lançado oportunamente à época do Natal) e o debateram com os coleguinhas na volta às aulas.

O boca a boca foi, segundo os estudiosos de marketing, a ferramenta responsável por esse fenômeno extraordinário. E o resto é História: a coleção de livros foi alçada ao topo da lista dos mais vendidos, o alcance do enredo se provou adequado para uma faixa ainda mais ampla de leitores, filas passaram a se formar nas portas das livrarias para obter uma cópia do último lançamento, e Hollywood arregalou os olhos diante de oportunidade tão rentável.
A Warner Bros., estúdio que acabou por vencer a disputa na indústria pelos direitos da franquia, tratou de nutrir o projeto desde cedo. Permitiu, por exemplo, o envolvimento de Rowling no processo criativo da adaptação – mesmo que o contrato não lhe obrigasse a fazê-lo -, e a escritora tratou de assegurar que seu “bebê” não fosse mutilado nem corrompido.

Assim, os filmes de “Harry Potter” satisfizeram os fãs que a série já conquistara, fidelizaram outros que ainda não a conheciam e originaram, além dos milhões nas bilheterias e nas vendas de DVD, uma infinidade de produtos lucrativos. Os admiradores “roxos” da franquia não tinham mais apenas os livros em casa – tinham álbuns de figurinha, bonecos de ação, varinhas de condão e até uniformes como os da Escola de Magia e Bruxaria de Hogwarts, onde a trama se situa.
Discutia-se, aí, até que ponto “Harry Potter” poderia ir como marca antes de diluir por completo a essência dos personagens – em certa entrevista, Rowling afirmou que abominava a possibilidade de ver Harry estampado em uma embalagem de congelados, mas pode apostar que essa ideia certamente foi cogitada por alguém, em algum momento.

Paralelamente, os leitores e espectadores iam se amontoando em comunidades virtuais destinadas à discussão da franquia. Impossibilitados de ir à Hogwarts na vida real, criavam realidades alternativas na internet, onde eram selecionados para as Casas e assistiam às aulas de feitiços como acontece nos livros e nos filmes.
À sua maneira, “Harry Potter” apresentou milhões de crianças, lá por seus 11 a 14 anos, à internet, e muitas delas criaram também conexões pessoais, com encontros rotineiros e agradáveis – isso sem mencionar as convenções que se dão esporadicamente em várias cidades do mundo, entre as quais as brasileiras.

Os domínios destinados a prospectar conteúdo sobre a saga cresceram a números espantosos, e alguns chegaram a render lucro aos seus idealizadores. Até que começaram os problemas. Os direitos, afinal, cabiam ao estúdio, e muito do que era debatido sem restrição nos fóruns online iam de encontro com a proteção que todos os criadores detém sobre a sua criação. Mas como tomar medidas legais? Seria o mesmo que enfrentar na corte uma garotada que mal saiu da puberdade e que, na melhor das intenções, só estava tentando compartilhar a sua devoção.
Houve uma tentativa um tanto acalorada da Warner em exigir o fechamento de sites criados por fãs. Eles, é claro, se revoltaram. Teve início um boicote da marca “Harry Potter”, que ficou conhecida no internetês como PotterWar. Os mesmos que, até o dia anterior, consumiam todo e qualquer novo produto da saga viraram as costas contra a sua, digamos, mercantilização.

Nada que arranhasse a superfície da potência que “Harry Potter” havia se tornado, mas o suficiente para deixar o estúdio em maus lençois com os fãs. “Não somos uma grande corporação desalmada”, pronunciou-se brevemente um executivo. A Warner, contudo, foi levada à suspender as ameaças, e a criançada, que temia que advogados do estúdio fossem bater em suas portas clamando por um dinheiro que suas famílias não tinham, respirou mais aliviada e prosseguiu com o culto.
Sem querer, porém, os autonomeados “pottermaníacos” contestaram o sistema vigente e conquistaram algo sem precedentes: a PotterWar foi o primeiro movimento bem sucedido de fãs contra os detentores de direitos autorais, e é sob esse advento que se faz cinema até hoje, com os espectadores na posição de força de trabalho. Hoje, os fãs são responsáveis pelo que no jargão do marketing se chama de “divulgação espontânea”, e chegam a ser estimulados a divulgarem marcas registradas. Com isso, surgem eventos de cosplay, tatuagens e até bandas inspiradas na franquia. Não deixa de ser uma posição de poder, ativa, ainda que numa perspectiva de consumo.

O fato é que o pior pesadelo de Rowling não se realizou. Harry escapou de virar garoto-propaganda de lasanha de microondas e não se tornou o vilão que ataca os próprios seguidores, como Lord Voldemort.

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